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Edith Piaf e Bertolt Brecht se encontram em musical com Letícia Sabatella
Por Antonia Leite Barbosa | Publicado em 8 de julho de 2019
Eles viveram na mesma época, mas nunca se encontraram. Ambos fizeram da sua arte um reflexo da humanidade ao seu redor, embora divergências não faltassem quando comparados. Um é um dramaturgo alemão, a outra é uma cantora francesa. Eles são Edith Piaf e Bertolt Brecht, personagens do novo musical estrelado por Letícia Sabatella e Fernando Alves Pinto: "Piaf e Brecht - A Vida em Vermelho", em cartaz no Teatro Prudential, na Glória. Com direção assinada por Bruno Perillo, o espetáculo traz aos palcos cariocas um encontro fictício entre esses dois grandes nomes da arte a fim de desconstruir suas personas artísticas e pessoais, levantando questões que dizem respeito à humanidade, algo tão presente na obra de cada um. "Como que duas pessoas que nunca se encontraram na vida têm tanta coisa em comum? No final da peça, nós chegamos em uma essência dos dois. Eles começam opostos, em contradição, e de repente eles vão se aproximando e criam uma possibilidade de convivência no mesmo mundo", diz o diretor.
Entre tapas e beijos, os dois personagens competem para ver quem toma posse do microfone para expor sua ideologia e vivências mundanas ao público. Perseguido pelos nazistas durante a Segunda Guerra Mundial, o poeta traduzia em seu currículo com mais de 40 trabalhos acontecimentos banais do cotidiano, como miséria e violência, de modo que sua obra possuía um apelo muito crítico e social - aproximando-o das mazelas. "Brecht oferece uma sensação de que o mundo é muito imenso, embora seja pequeno. Isso amplia muito o questionamento presente o tempo inteiro e que é muito marcado pela ironia e humor, de modo que joga foco onde não se vê, como marginalizados. Ele é imenso, a obra dele é imensa, é simplesmente impressionante", afirma Fernando, que dá uma palinha em alemão em alguns momentos da peça.
Assim como Brecht, Piaf teve o seu caminho muito marcado pela humanidade. Conhecida como a dama da chanson françoise, Edith Piaf nem sempre carregou esse título com a sofisticação que hoje tantos a relacionam no imaginário coletivo: prostituição e boemia exarcebada faziam parte do seu cotidiano. Embora tenha conseguido superar as pedras do caminho, a cantora francesa nunca deixou de usar suas obras como forma de expor os sofrimentos que vivia pelas ruas de Paris, tornando-se uma força de mulher para aqueles que se identificavam com as suas letras tão melancólicas, porém potentes.
É assim que, envolta pela sensualidade e mistério dos antigos cabarés, a polaridade entre os dois transporta o espectador para a realidade que cada um vivia, explorando por meio de um repertório de 18 canções, como La Vie en Rose, Hino ao Amor e Non, Je ne Regrette Rien, sentimentos que perpetuam até hoje a existência humana: anseios, angústias, medos, amores não passam despercebidos pela narrativa. "Os dois traduzem em música o que grita, os que são oprimidos, os que estão com fome, passando por dificuldades. A obra deles tem esse olhar compassivo, esse olhar que a gente empresta e traz tanto para o outro. A arte tem essa função: é uma ferramenta de superação, de sublimação. Os dois são pessoas que cantavam para suportar", reflete Letícia, que, assim como Piaf, enxerga o canto como uma válvula de escape e reflexão no meio do caos.
Na pele de Bertoldo e Edite, nomes abrasileirados dos personagens da vida real, Letícia e Fernando conseguem mostrar que nem tudo é oito ou oitenta e que a vida se faz a partir da união entre passionalidade e racionalidade. Ou nesse caso entre Edith Piaf e Bertold Brecht. Nesse espetáculo, não importa se "Piaf pertence ao inconsciente coletivo e as pessoas não conseguem pronunciar o nome do alemão" ou se "a música dele é melhor do que a dela", como brincam os dois atores. A única coisa que importa é que o público consiga mergulhar no universo criado pelas canções. "Tem reflexões sobre o que estamos vivendo de um jeito humano e espontâneo, não é nada panfletário. No meio dessa confusão toda, é preciso tocar e com a peça estamos tocando o coração das pessoas sobre a condição humana. A essência dos dois está ali com reflexões que as pessoas vão conseguir se relacionar", afirma Letícia.
Na cara e na coragem, totalmente sem patrocínio, sempre de sexta a domingo, "Piaf e Brecht - A Vida em Vermelho" espera conquistar o público carioca assim como conquistou o resto do Brasil durante a turnê de dois anos. Jovens, estudiosos da música, idosos. Não importa: o espetáculo é para todos. "O que é mais gostoso de ver é o quanto a peça tem atingido o público. Isso trouxe essa confiança de vir para o Rio de Janeiro sem patrocínio e acreditar que seria possível. A nossa proposta é chegar em todas as pessoas, em todos os gostos musicais porque na peça nós temos rock, punk, funk, o cabaré, músicas mais emocionais, contundentes, tudo", diz Letícia que tem como momento favorito o solo de Fernando na canção "My Ship". A desconstrução da caricatura desses dois artistas e da humanidade fica em cartaz até 4 de agosto de sexta à sábado às 20h e aos domingos às 19h.